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Foto:  https://oficinapalimpsestus.com.br/

 

BENEDICTE HOUART
( PORTUGAL )

 

Bénédicte Houart (Bélgica, 1968) foi docente de Estética na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Vive atualmente em Coimbra, onde se dedica à escrita e à tradução.
Publicou na coleção Inimigo Rumor (coedição Angelus Novus/Cotovia), em 2004, o seu primeiro livro de poesia, Reconhecimento. Posteriormente, publicou Vida: Variações (Cotovia, 2008), Aluimentos (Cotovia, 2009), Vida: Variações II (Cotovia, 2011), Há dias, em colaboração com o fotógrafo João Filipe Marques (&etc, 2012) e Há dias II, com fotografia de Juliana Martins (Do lado esquerdo, 2016). Escreveu ainda dois livros para crianças, com ilustrações de Sebastião Peixoto: O avião saltitão e O chapéu telepático e outras histórias (Angelus Novus, colecção Aviãozinho, 2010)
 

 

INIMIGO RUMOR – revista de poesia.  Número 15 – 2º SEMESTRE 2003. Editores: Carlito Azevedo,  Augusto Massi.   Rio de Janeiro, RJ:  Viveiros de Castro Editora, 2003.  264  p.   ISSN  415-9767.                                         Ex. bibl. de Antonio Miranda

 

 

vestem-se as dores
nos bastidores da minha memória
que a puta
que estendeu a mão
após descruzar as pernas
esta é a ingênua
não estendeu a mão
após descruzar as pernas
está é a nostálgica
traz a mão estendida
nunca descruzou as pernas
despem-se as dores
nos bastidores da minha memória

*

é uma casa de passagem onde
se vê o mar quando
a puta veste o fato de marinheiro e
põe a cassete da tempestade

*

mulher alguma é melhor do que
mulher nenhuma dizia  o meu avô morreu
esquecido num guarda-fatos
mulher alguma dispunha de bolas de naftalina e foi
[ assim que
o meu avô foi primeiro lembrado pelas traças
tudo isto aconteceu há muito tempo mas
a alma não esqueceu
o nariz reconheceu
a puta que me pariu era a mais linda da rua formosa
eu saí a ela deve ser por isso que mal sorrio os
[homens perguntam
quanto é
e eu não é nada a puta que me pariu pôs-me a
[estudar e eu agora
só sorrio e é tudo de graça
e a seguir mostro-lhe o rabo e a seguir as pernas e
[ponho-me a andar
e deixo-os de corpo a abarrotar
de tralha

*

um homem geme porque
o corpo da mulher que recusa
se enrosca e
a recusa é doce e um homem geme
enquanto a mulher se ausenta
estica o corpo até as nuvens
enfia os dedos no ânus das nuvens e
está frio na ponta  dos seus dedos então
a mulher cose as nuvens umas às outras
monta um carrossel para se aquecer
e disse tomai os meus vestidos enfiai-os que não
[os quero mais
e empinou o corpo
finalmente a mulher remata o homem enrosca-se 
[então


deus nos livre do mundo
soltou o moribundo
e livrou logo

mãe
obesa
esfrega o corpo nas coisas
derrama gordura
e as coisas brilham
Ó mãe ó mãe
deixaste as coisas brilhando
para que as reconhecêssemos e agora
escorregamos nelas todas as vezes

*

hoje vou com aquele que me levar
e se for uma mulher
vou com as suas mãos que remendam
e não substituem
e se ninguém houver
vou com ninguém que leva sempre
para onde não quero
e vou com as mãos que substituem não remendam
é por isso que à noite
espreito para a janela dos comboios
e cumprimento-me timidamente

*

 

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Página publicada em dezembro de 2023
        

 

 

 
 
 
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